Enquanto uma delas esteve a mais de oitocentos quilômetros de distância as gatinhas apareceram bagunçando a casa, mexendo com o ânimo de todos nós. Ele disse não com veemência, a outra acolheu e escolheu nomes, o cão se resignou em ter que dividir sua atenção com as intrusas. A cadela curiosa espichou o olho e o faro para dentro de casa esperando a oportunidade de fazer amizade com as visitas. A gata caçula da casa se enfureceu e buscou abrigo no jardim onde batia um solzinho, além de rosnar e eriçar os pelos dispensou seu cantinho predileto, a cama daquela que viajou. A outra gata fez que não se importou, mas enquanto durou a hospedagem evitou qualquer tipo de contato comigo, estava de mal.
Duas semanas se passaram e num sábado a gatinha branca de manchas pretas partiu para seu novo lar. No domingo foi a vez da gatinha cinza ir embora com sua dona definitiva e a tensão entre os bichos se dissolveu! Pronto! Portas e janelas puderam ser abertas sem o cuidado daqueles dias em que gatinhos miúdos e saltitantes são capazes de passar por brechas inimagináveis. Os cães voltaram a atenção para seus ossos e as gatas fizeram como de costume, deitaram perto de nós enquanto assistíamos um filme na TV.
Naquela madrugada ela voltaria de tão longe pra casa e segunda-feira retomaríamos a rotina, aquela que nos trás conforto e uma certa ideia do que vem depois. Pois sim, a vida é cheia de surpresas pra nos tirar do eixo e é bom ter mais ou menos uma rota pra seguir... Muitas comidas são assim, tem cara de volta pra casa, rotina e conforto.
Carne assada é um desses pratos. Mas tem que ser planejada com antecedência pra poder temperar no dia anterior uma peça de lagarto plano ou redondo com sal, alho, molho inglês, louro, pimenta do reino e cominho.
Pique bem miúdos alho, cebola, tomate, cenoura e nabo.
Numa panela de pressão refogue a carne em um pouco de óleo e depois que ela estiver selada acrescente todos os legumes picados. NÃO acrescente água. Tampe a panela e quando a pressão começar a chiar marque 35 ou 40 minutos. Um molho delicioso vai se formar e carne estará macia, mas sem desmanchar.
Tentei o arroz de banana para acompanhar, pois basta refogar na manteiga rodelas de banana da terra e colorir o arroz com açafrão. Eu só tinha banana prata e esqueci do açafrão! Tinha ainda um pouco de salsinha, bem pouco mesmo, ainda assim acreditei na mistura e segui adiante com um feijão vermelho, batatas coradas e aquela farofinha safada de cascas de batata.
Tudo parecia ter entrado nos eixos, mas naquela segunda feira eu comecei a desconfiar que estava ficando biruta, pois o miado dos gatinhos não saía da minha cabeça. Fui até a rua, olhei embaixo dos carros, embaixo dos caminhões e nada... Na terça ouvi de novo. Na quarta um miado sofrido mobilizou a família achando que a gata caçula pudesse estar em apuros, mas ela dormia distraída no solzinho do jardim. Na quinta o miado veio alto, antes das sete da manhã, me acordou e outra gata também ouviu... ou estaríamos enlouquecendo juntas? Troquei de roupa e dei um tempo pro miado calar. Fui até a rua e não vi nada. Decidi andar mais a frente e ufa, pelo menos eu não estava maluca! Aquele miado existia e no desespero a gata veio correndo como fazem os cachorros. Se enroscou nas minhas pernas e eu gelei já sabendo o que viria a seguir... Sim, ela me seguiu. Não deixei entrar. Peguei ração e água, na esperança dela ter ido embora, mas quando voltei ela estava lá, paradinha me esperando. Comeu e bebeu água, mas fez carinho, pedia carinho mais que tudo. Miúda como as outras, provavelmente da mesma ninhada, por onde teria andado nessas duas últimas semanas, pele e osso, tanta carência. Acho que abilolei de vez, pois que outro jeito, senão bagunçar a rotina todinha de novo?!
Dando voz ao inconsciente, sentimos que é hora da racionalidade dar lugar aos sentimentos. Isso nos revela de imediato o gosto do amor.
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