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Ao mal amado com carinho.

Reza a lenda que existe apenas uma única razão para uma pessoa em sã consciência gostar de bife de fígado: a memória afetiva! Essa danadinha costuma dar o ar da graça em situações inusitadas, mas através da comida ela aparece lépida e fagueira nos remetendo a um tempo onde a vida era só brincadeira. Você vai lembrar da sua mãe e de todos àqueles que te cuidavam. Vai ouvir seu nome sendo chamado incessantemente enquanto você terminava uma parte importantíssima da trama que seus bonecos estavam encenando. Vai lembrar do jato forte da torneira da pia e que mesmo molhando todo o chão do banheiro pra lavar as mãos você, ainda assim, conseguia a proeza de deixar a toalha encardida e o sabonete todo enlameado. E finalmente, vai lembrar da careta que fazia quando sua mãe anunciava que o almoço era fígado.
Não adiantava chiar. Ela ía enumerar todas as propriedades do fígado e terminar com um sermão de que você deveria dar graças a Deus pelo prato de comida que tinha na mesa. E sem choro nem pio você comeria.

A gente cresce, se desvencilha de todas aquelas comidas que a gente detestava e aí vira mãe...

Tentei fazer iscas de fígado na minha casa por diversas vezes, mas as reclamações eram tantas, que desisti. Afinal, não era sensato servir o que ninguém gostava e o ferro, elemento mais exaltado pelas mães, podia ser consumido noutras comidas bem mais legais. Além do mais, não dá pra comprar fígado em qualquer lugar e no mercado onde eu poderia comprar ele era vendido inteiro e congelado, desanimava.

Até que me mudei. E um dia, há uns três ou quatro anos atrás, a caçula foi passar a tarde na casa das amigas e para sua surpresa, o almoço era fígado. Naquele tempo, a Thaís Araujo ainda não tinha dispensado o nhoque de abóbora da Ana Maria Braga em rede nacional e minha pequena, educadíssima, almoçou o bife de fígado feliz da vida por estar passando uma tarde inteira na casa das amigas.

Então, decidi que era momento de resgatar àquela mãe que habita dentro de todas nós e trouxe o fígado de volta à mesa! O melhor é que, no mercado onde compro agora, o fígado tem uma qualidade excelente e eles cortam em bifes na hora bem ali na sua frente! Outra coisa boa, fígado é barato e essa informação em tempos de crise, tem valor! Além disso, fígado rende! Como tem o sabor forte e pesa um pouco na digestão, não é preciso comer uma porção gigante. Uma pequena porção e todos estão satisfeitos!

As meninas cresceram e quando tem fígado em casa uma delas, justamente a caçula, ainda faz cara feia. Mas a mais velha diz "ok" e isso, na linguagem dela quer dizer "eu gosto"! Pronto, a memória afetiva foi passada adiante e sei que quando estivermos distantes ela vai comer fígado e lembrar de mim!

O segredo pra fazer um fígado saboroso é o tempero. Tem que estar bem temperado. Essa é a graça! E eu prefiro cortá-lo em tiras. Particularmente acho muito agressivo ter um bife de fígado inteiro no prato!

Iscas de fígado:
500g de fígado em tiras
2 dentes de alho 
pimenta do reino
cominho 
sal 
1 colher de sopa de mostarda
1 colher de sopa de molho inglês
Cebolas em rodelas
Pimentões em rodelas 

Tempere e deixe descansar  por uns 30 minutos ou mais. 
Frite em um fio de óleo bem quente e quando estiver quase pronto junte as cebolas e os pimentões (por acaso, descobri que os amarelos dão uma leveza adocicada muito especial). Espere até que eles murchem e sirva a seguir. Não dá pra deixar pronto esperando a hora do almoço ou servir noutra refeição, pois eles ficam borrachudos e aí ninguém merece!

O acompanhamento perfeito é o purê de batatas e tomates temperados com sal e orégano. Bastaria, mas como deixar de lado o arroz com feijão?!









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